Ainda era difícil demais para mim conseguir segurar tudo o que eu realmente queria falar. Nos últimos tempos eu vinha me sentindo privado, e consequentemente entediado, quando não irritado, por não poder me expressar como eu realmente gostava, como eu realmente achava que deveria me expressar. Mas nenhum assunto me deixara a ponto de explodir por não poder falar tudo. Eu achava injusto, eu sabia que não tinha o direito de julgá-la, de dar soluções ou conselhos que ela nem ao menos pedira, mas eu também não estava me sentindo bem por ter que ficar calado ante a isso. Eu não conseguia ver uma vida ser desperdiçada daquele jeito, não poderia deixar alguém perder a vontade de lutar por ela. Meus ideais humanistas estavam a flor da pele agora, mas havia outra sensação que imergia junto a eles, mascarada por minhas tantas dúvidas.
Cogitei ficar calado, sair dali de uma vez por todas, sem ao menos ouvir sua resposta e deixar que ela cuidasse da vida dela. Talvez eu estivesse errado e ela já não se importasse mais em viver daquele jeito. Na verdade eu queria estar errado, queria não ter isso a me perseguir por mais dias e dias. Mas ao mesmo tempo, eu sabia que por mais que tentasse esquecer e deixar com que ela tentasse sozinha, eu não conseguiria. Já seria difícil trabalhar com Matheson, vê-lo em sua vida supostamente perfeita, planejada, com horários para expressar emoções, com manuais para sua vida cotidiana e muito provavelmente com hora marcada até para dormir com a sua esposa. Eu sabia que isso me irritaria mais ainda, mesmo não tendo nada a ver com aquilo. E o fato de pensar que ela também não ia lutar contra me deixava inquieto. Uma sensação de impotência se apoderaria de mim, por não ter conseguido mudar isso. E antes de mais nada, eu só queria entender...
Fui desperto dos meus devaneios, com a voz ligeiramente alterada de Evanna. Olhei para ela, com uma pontada de surpresa, mas sem conseguir deixar que a indignação abandonasse os meus olhos. Não, ela não queria discutir aquilo comigo e eu sabia que era porque em parte eu havia mexido fundo. As pessoas tinham mania de aconselhar, de dizer de forma doce e ponderada que não era preciso viver assim. Seu terapeuta muito provavelmente dizia coisas vazias, tentando fazer com que ela enxergasse a solução. Eu não era nada delicado – por mais que não tivesse dito tudo do jeito que realmente queria – e não conseguia expor tudo de forma tranquila, sem uma pontada de sarcasmo, sem um julgamento mais direto da situação. E eu sentia, e queria que realmente fosse assim, que ela ficara igualmente indignada com a minha intromissão, simplesmente porque eu tocara na ferida de forma mais brusca.
Continuei a olhá-la, enquanto ela terminava de despejar em cima de mim tudo o que eu talvez merecesse ouvir. Eu, como uma pessoa crítica, por mais que já tivesse cogitado isso, pensaria realmente que ela já estava cansada de ouvir todos ao seu redor lhe dando conselhos. Pensar que talvez ela estivesse passando por isso há algum tempo e que existiam pessoas que também haviam tentado acordá-la era fácil. Mas conseguir refrear qualquer comentário acerca disso, mesmo não sabendo na real medida tudo o que ela estava passando de verdade, era muito, muito difícil.
Eu sabia que estava errado, pelo menos em parte, antes mesmo dela afirmar com todas as letras que eu não tinha o direito de lhe dizer qualquer coisa. Realmente, eu não tinha e repetiria quantas vezes mais fosse preciso, para mim mesmo. ”Eu também não entendo o porque que eu preciso me meter nisso.” E antes mesmo que eu pudesse dizer qualquer coisa, antes mesmo que eu pudesse me desculpar, ao mesmo tempo em que pensava que não, eu não lhe devia tantas desculpas assim, ela terminou de falar, jogando na minha cara o que eu vinha me dizendo a noite toda. Você não tem nada a ver com isso.
Observei-a sair de perto de mim, em direção as ecadas do terraço. Pousei o copo no parapeito, respirando fundo e passando as mãos pelos cabelos. -Não... Eu não tenho nada a e ver com isso. Só não sei ainda porque eu me importo...
Sem pensar duas vezes, me encaminhei para a escada que tinha na direção contrária em que havíamos subido, desejando que ela desse diretamente para a porta da rua ou para qualquer lugar onde eu não poderia ser mais visto. Já estava farto de todo aquele teatro e sabia que não aguentaria ver Evanna fazendo parte dele mais uma vez. Eu precisava pensar, clarear minhas ideias, me forçar a esquecer tudo isso. Mas sabia que não seria nada fácil.
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