Eu havia feito a pergunta para Evanna, de forma a provocá-la. Era irresistível, ainda mais quando eu tinha desculpas para mascará-las e sabia que ela não mandaria eu parar de me meter em sua vida. Afinal, além de nós ali, ninguém entenderia o real sentido de nossas palavras. E além do mais, eu adoraria ver qual seria a sua reação longe de seu marido, de seu círculo social, ou mesmo do habitat natural de todos eles. Eu sabia que aquilo tudo a sufocava, por mais que ela quisesse mentir para mim, dizendo que eu estava errado. E sabia que não era dono da razão, mas por algum motivo eu não precisara de muito para saber que tudo o que a rodeava lhe fazia mal.
Não fora só as palavras que ela havia me dito, tanto no trem como no jantar. É claro que aquilo me chamara a atenção, mais do que eu pretendia que chamasse. Mas eu simplesmente saberia mesmo assim. E enquanto eu falava, há alguns minutos atrás e a olhava de vez em quando, eu poderia sentir que ela estava ligeiramente diferente, um pouco mais viva e livre, só por ter saído daquela atmosfera. Fiquei tentando imaginar o que Maximilliam Matheson estava achando de sua mulher perder tempo e dinheiro em um curso que para ele deveria ser sem sentido. O que na verdade era surpreendente, já que ele estava no mercado editorial. Mas ainda assim, não era esse tipo de coisa que o atraía naquilo e eu sabia bem. E eu adoraria ter a oportunidade de perguntar o que ele achara. Não que eu realmente fosse ter essa oportunidade. Não tinha tantas esperanças assim.
E vê-la abrir um sorriso, um sorriso realmente sincero, divertido e porque não, um pouco irônico com a minha pergunta, fez com que algo começasse a despertar dentro de mim. Um sentimento de alegria e satisfação, por ver e saber que eu não estava totalmente errado. Que havia vida ali e que ela só precisava ser acordada. Continuei a olhar para ela, de braços cruzados, esperando a sua resposta. Eu sabia que ela usaria aquilo da mesma forma que eu usara. E esperava que ela fizesse isso e Evanna não me decepcionou. Um sorriso de lado foi se abrindo a medida em que ela falava e o tom de desafio, de certeza que ela usava para me responder me deixava mais satisfeito.
Era uma resposta lógica, correta e sucinta, mas todo o significado por baixo dela tinha a ver completamente com a sua vida. Enfiei uma das mãos nos bolsos da calça, andando vagarosamente até o lado da sala em que ela estava, colocando uma mão na nuca, como se estivesse a refletir. – Isso é a mais completa verdade, mas é fato que todo bom artista ou pelo menos a maioria, foi julgados em seu tempo. A sua obra está sempre a frente da sociedade na qual ele está inserido, muitas vezes criando um choque momentâneo sobre tudo o que as pessoas acreditam ou conhecem. Faz parte da alma e da vida do artista ser julgado...-Falei a última frase me voltando para sala, antes de olhá-la mais uma vez. -... e nem por isso, ele deixou de criar. Nem por isso ele deixou de fazer as escolhas que o fez feliz. Pelo menos na maioria das vezes...
Terminei, encarando-a por alguns segundos. Eu sabia que aquilo a provocaria ainda mais, que a faria continuar a debater comigo, enquanto eu a tentasse. E não demorou, ela me respondeu, ainda com o sarcasmo de antes, mas agora com uma espécie de defesa de sua causa, que não era tão fácil. Que nem todos tiveram a chance de escolher, nem foram livres para isso.
-Mas o conceito de liberdade, nesse contexto, começa de dentro para fora do indivíduo. Não quando você ultrapassa os limites dos outros, mas quando você percebe que precisa se libertar, entender suas escolhas e desejos, para que seja possível pesar o seu papel naquela sociedade e dar a sua contribuição, mudá-la com as suas ferramentas.
Eu não acreditava que apenas uma pessoa poderia mudar tudo, mas as suas escolhas e o conhecimento de si mesmo, poderiam influenciar o coletivo, fazendo com que a possibilidade de mudanças não passasse de uma fantasia.
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